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Sousa Jamba: O Fim de Khadaffi
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Por Sousa Jamba en: |
O falecido activista nigeriano Tajudeen AbdulRaheem disse-me uma vez que, nos anos 60, o então presidente queniano, Jomo Kenyatta, estava muito ansioso quando ouviu rumores que o presidente Kwame Nkrumah, do Gana, pretendia criar o governo do Estados Unidos da África. Nkrumah defendia a criação dos Estados Unidos da África. O presidente queniano, segundo Tajudeen, temia que ele não teria função alguma no governo que Nkrumah iria criar.
Lembrei-me do que Tajudeen me dissera, após ouvir as notícias de que o antigo líder líbio – um dos poucos Chefes de Estado africanos que já vi frente à frente – fora morto quando os seus adversários tomavam de assalto a sua cidade natal, Sirte. Houve um momento em que Sirte passara, efectivamente, a ser uma espécie de capital de África; um politico africano, que não podia com o líder líbio, disse-me que, quando uma vez fora chamado a Sirte – para resolver um assunto – teve que lidar com o tio de Kadhaffi, que era o ministro para os assuntos africanos. Em vida, Kadhaffi insistia na criação dos Estados Unidos da África, com ele – claro – como presidente. Muitos líderes africanos não estavam confortáveis com isso: suspeito que muitos temiam, como o Jomo Kennyatta, que talvez não viessem a ter nenhuma influencia num Estados Unidos de Africa dominado por Kadhaffi. É muito provável que não sejam apenas os líbios que estão felizes com a morte, aos 69 anos, do seu antigo presidente. Com a sua morte, morreu também o sonho de um estado único em África. Depois de ser morto, o seu corpo foi exibido a ser puxado na rua; só a morte do Samuel Doe, antigo presidente da Libéria, foi assim tão pouco digna como a sua.
A Bíblia diz que quem vive pela espada, morrerá por morrerá por ela. Já escrevi, no Semanário Angolense, que Muammar Kadhaffi era um verdadeiro carrasco. Logo depois da sua ascensão ao poder, em 1969, ele reprimiu manifestações de estudantes, ordenando o seu enforcamento: no momento em que estou a escrever isso, uma senhora, que está a ser entrevistada pela BBC, vai lembrando, chorosamente, daqueles momentos horríveis na história do seu país. Fala-se, então, de tempos em que os alunos iam para estádios de basquetebol para verem o enforcamento público dos adversários de Kadhaffi. Ele passou a ser o dono do seu país através da violência dura e pura. Em 1996, na prisão de Abu Salim, em Tripoli, mil e duzentas pessoas detidas foram mortas num só dia por terem reclamado uma melhoria nas suas condições de vida. Este homem que queria ser o presidente de África tinha pouco tempo para os vários esforços continentais em prol da boa governação e democracia.
Para mim, o que achava profundamente repugnante em Kadhaffi, e sempre não hesitei em manifestar esta ira, era a forma como ele manipulava os negros africanos. Foi o presidente Museveni que disse que, nas reuniões dos Chefes de Estado da União Africana, Kadhaffi nunca respeitava a ordem de trabalho: se ele quisesse que vários chefes tradicionais tivessem que discursar (louvando-lhe, claro) tinha mesmo que ser assim. Ninguém dizia «kwim», porque Kadhaffi pagava tudo; os negros africanos iam para o Tripoli e voltavam com dólares. As revelações da Wikileak, por exemplo, revelam que muitos diplomatas africanos até tinham dúvidas da estabilidade mental do então líder líbio. Só que, em privado diziam uma coisa, mas em público batiam palmas porque Kadhaffi estava sempre pronto a dar mais milhões.
Os líbios estão felizes porque o tirano que dominou as suas vidas por quatro décadas já não existe; o resto do continente africano estará triste porque o «Pai Natal» líbio já não existe.
Depois de ter sido forçado a abandonar Tripoli, Kadhaffi declarara que a capital do país passara a ser Sirte, a sua cidade natal. Da mesma forma que o antigo presidente da Costa do Marfim, Houphouet Boigny, tinha transformado a sua cidade natal, Yamoussokro, na capital da Costa do Marfim, Kadhaffi insistia que esta antiga aldeia de pescadores tinha que ser a capital não só da Líbia mas do continente Africano. Não deveremos esquecer, também, de uma outra aldeia no centro de África, com edifícios gigantescos, mas hoje em mau estado – Gbadolite, aldeia natal do Marechal Mobutu Sese Seko - que foi, a seu tempo, uma alternativa à Kinshasa, como capital do antigo Zaíre.
Kadhaffi, com os seus bilhões, poderia mesmo ter saído disto tudo muito bem. Ele poderia ter dialogado com os jovens em Benghazi, dirigindo uma transformação da sociedade que resultaria numa democracia, em que poderia jogar um papel importantíssimo. Kadhaffi comparou-se, uma vez, à Rainha do Reino Unido, que anda no poder há décadas sem ser eleita. Ele poderia ter sido o grande pai da nação líbia. A verdade é que indivíduos como Kadhaffi, depois de tanto tempo no poder, passam a ter uma noção completamente distorcida da realidade. Ninguém, mas ninguém mesmo, ousava dizer ao grande líder a realidade. Kadhaffi passou a acreditar nos mitos das suas imensas qualidades. Ele foi claro: os seus adversários iriam ser identificados e mortos rua por rua, casa por casa, quarto por quarto.
Quando os rebeldes o capturaram, ele perguntou donde é que tinham vindo; o homem não havia dado conta que os seus guardas já tinham sumido todos ou então estava a operar numa outra realidade. Suspeito que Kadhaffi foi mesmo morto sem ter entendido que o que ele tinha construído em quatro décadas havia desaparecido pura e simplesmente num repente. O jovem oficial, bem-parecido e cheio de energia que ascendeu ao poder em 1969, acabou como um velho, altamente confuso, e maltratado pior que um cão.
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Etiquetas:
Angola, Jomo Kenyatta, Kwame Nkrumah, Panafricanismo, Sousa Jamba, Tajudeen AbdulRaheem
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